Fundar uma startup, uma empresa… quem seria louco o suficiente para levar uma ideia dessas adiante? Sim, há muitas pessoas dispostas a mergulhar nesse universo cheio de trabalho e incertezas, onde diversas decisões precisam ser tomadas continuamente.
Algumas dessas decisões são simples, onde sabemos que temos que fazer o óbvio; já outras são extremamente difíceis, às vezes por termos informações insuficientes, ou por envolverem um alto risco, ou ainda por sabermos do enorme impacto que aquela decisão terá na vida de muitas pessoas.
É justamente aqui que o Cynefin, o consagrado framework para sense-makinge decision-making criado por Dave Snowden, entra em cena com potencial para desenvolver nesses empreendedores um racional livre de propensões e um olhar contextualizado nas tomadas de decisões.
Para se aprofundar nos conceitos e técnicas que compartilho ao longo deste artigo, recomendo participar do treinamento oficial Cynefin Basecamp.
Startups, o paraíso das modinhas
Diversos autores, praticantes e sites especializados possuem sua própria lista com os principais desafios enfrentados por fundadores de startups. No GoFounder, por exemplo, essa lista inclui tópicos como desenvolver um modelo de negócios robusto, conseguir investimento, lidar com os competidores, formar um time vencedor, escalar o negócio, dentre outros.
Em cada um desses tópicos, há uma série de desafios e situações problemáticas a serem exploradas, e também de decisões a serem tomadas. É nesse momento que, com frequência, falta um racional. E, tenho que dizer, na falta de um racional para tomar decisões, o empreendedor se torna uma vítima perfeita para as modinhas da vez.
Não à toa, vemos que neste universo as pessoas são facilmente atraídas por fórmulas mágicas, métodos revolucionários, e práticas “prontas para uso” que são utilizadas por alguma empresa badalada do “Valley”.
Infelizmente, na maioria das vezes, damos ouvidos às belas histórias vindas das poucas empresas onde tais práticas deram certo, e ignoramos as que vem das milhares onde deram errado.
Para evitar tais armadilhas, fundadores e pessoas em posição de liderança em qualquer tipo de negócio, devem aprender a contextualizar seus desafios, respondendo de acordo com a natureza de cada um deles. E é aqui que o Cynefin surge como uma boa estrutura de trabalho.
Utilizando Cynefin na sua startup
No livro “Cynefin — Weaving Sense-making into the fabric of our world”, Dave Snowden o define como um framework onde usamos ciências naturais para melhor compreendermos as situações que vivemos e, então, agirmos de forma apropriada. O Cynefin é estruturado em cinco domínios (confuso, claro, complicado, complexo e caótico) e uma coleção de métodos e dinâmicas.
Ao longo do restante deste artigo, utilizarei um exemplo simplificado de uma startup que irá, em breve, lançar um serviço de assinaturas de alimentos orgânicos. A ideia é que, em cada um dos planos, o assinante aponte suas preferências, e semanalmente receba em sua casa alimentos frescos fornecidos por pequenos agricultores.
Me colocando no papel de fundador desta startup, destaco aqui três situações onde claramente o uso de Cynefin me ajudaria a conduzir melhor meu negócio.
1. Tomar melhores decisões
Um dos desafios que preciso enfrentar neste negócio, está relacionado a identificar a melhor forma para enviar os produtos até a casa dos assinantes, que inicialmente abrangerá apenas a grande São Paulo.
Utilizando o Cynefin — seja de forma reflexiva para tomar uma decisão individual, ou coletiva para tomar a decisão junto ao meu time — devo me perguntar se:
- Há uma única e clara solução para esta situação e para mim é óbvio o que deve ser feito. Isso daria sinais de que estou em algum lugar do domínio Claro (Clear) onde devo repetir ou mesmo automatizar aquela melhor prática que já sei que funciona.
- Há diversas formas para lidar com esta situação, e me parece complicado tomar uma decisão de forma assertiva. Isso daria sinais de que estou em algum lugar do domínio Complicado (Complicated), onde faz sentido envolver uma referência especializada no assunto (praticante, mentor, consultor, autor, …) ou fazer um benchmark para me ajudar a tomar uma melhor decisão.
- Não há um solução clara e nem mesmo acessível para lidar com essa situação de forma assertiva. Isso daria sinais de que estou em algum lugar do domínio Complexo (Complex) onde, com ou sem o apoio de especialistas, eu precisaria experimentar algumas ideias em paralelo para então descobrir o que funciona melhor.
- Não sei bem o que fazer, mas tenho que fazer algo…AGORA! Dificilmente esse seria o caso, mas se fosse, isso daria sinais de que estou em algum lugar do domínio Caótico (Chaotic) onde tenho que rapidamente reagir para melhorar minimamente a situação, mesmo que não sendo assertivo.
- Na verdade, acho que ainda nem entendi bem a situação que estou vivendo. Isso daria sinais de que estou em um momento de confusão, e o melhor seria me aprofundar nos detalhes da situação antes de tomar alguma decisão.
Perceba que, no mundo das startups, muita decisões são tomadas baseando-se no que um “especialista”, alguém que seja referência no assunto, disse ou fez. No meu desafio de enviar os produtos até a casa dos assinantes, eu provavelmente me perguntaria “Como o pessoal da Amazon ou do Magalu fazem isso?” pois considero essas empresas referência em gestão de logística.
Esse racional mostra que você está avaliando sua situação sempre como complicada, ou seja, considerando que ela possa ser resolvida com precisão desde que utilizando referência de especialistas.
Você pode sim estar certo nesta situação específica, e ter sucesso ao copiar parte da logística do Magalu para seu negócio. No entanto, quando seu processo de tomada de decisão passa a ser, sistematicamente, observar e copiar o que as referências estão dizendo ou fazendo por aí, aí sim você entra em apuros.
Muitas situações existentes na sua startup não são complicadas, e seguir sempre esse mesmo processo lhe levará a uma grande perda de tempo, dinheiro e mesmo credibilidade. Aliás, fique atento pois as grandes consultorias com frequência apontarão para cá, já que é aqui que o modelo de negócio delas se torna mais lucrativo.
Um outro caso crítico seria você, como líder, sempre enxergar os desafios de sua startup como caóticos, bradando continuamente para as pessoas fazerem “o que tem que ser feito, imediatamente!”. Viver no Caos consome uma energia enorme de todas as pessoas envolvidas, e certamente será difícil construir um negócio vencedor, de forma sustentável, em um ambiente de trabalho assim.
Como uma pessoa empreendedora, se você incorpora uma sensibilidade que lhe permita navegar continuamente entre esses domínios do Cynefin, isso não só lhe fará tomar melhores decisões mas também desenvolverá suas habilidades para exercer uma boa liderança seja em situações óbvias ou mesmo no meio do caos.
2. Rodar experimentos seguros para falhar
Um dos maiores desperdícios na prática do Cynefin acontece quando as pessoas o utilizam apenas para categorização, não se aprofundando no processo de fazer sentido de contextos, e nem avançando no estudo e prática de seus métodos e dinâmicas.
Justamente neste ponto, eu gostaria de explorar um tópico que se mostra essencial para boa parte das startups, e que se popularizou bastante com a publicação do livro “The Lean Startup” de Eric Ries: rodar experimentos.
O ciclo /Build-Measure-Learn/ proposto por Ries se tornou quase que um mantra dentro do universo das startups. Através deste ciclo, você conseguiria validar suas hipóteses de forma rápida, aprendendo continuamente e evoluindo seus experimentos.
O trabalho com experimentos, conectando agora com o Cynefin, se mostra uma estratégia adequada para cenários com algum nível de complexidade, ou seja, situações presentes no domínio Complexo.
Na minha startup de exemplo, vamos supor que eu esteja vivendo uma situação problemática relacionada à forma com que os agricultores estão sendo remunerados. Muitos têm se mostrado insatisfeitos com nosso modelo atual de repasse e ameaçam abandonar a parceria.
Não vemos aqui uma solução óbvia, clara. E, sinceramente, o que ajudou ou atrapalhou o Spotify na negociação com músicos e o Netflix na negociação com os estúdios, não me parece nem de perto com potencial de ser assertivo na minha situação, já que o contexto envolve agentes em situações bem diferentes.
Por outro lado, não posso entrar em desespero e fazer qualquer coisa só pra resolver. Percebo o que está acontecendo, não estou confuso quanto a isso… mas reconheço ser essa uma situação complexa onde fazer sondagens através de experimentos seguros para falhar será necessário.
Parece que agora tenho algo apropriado para aplicar o ciclo /Build-Measure-Learn/, certo? Então, temos aqui um conflito de conceitos entre Cynefin e Lean Startup. Na linha de pensamento do Cynefin, para lidar com a real complexidade de um contexto, experimentos deveriam ter as seguintes características:
- Acontecerem em paralelo, e não em sequência;
- Serem coerentes;
- Serem seguros para falhar;
- Alguns serem oblíquos, e não diretos;
- Alguns serem contraditórios, e não convergentes;
- Alguns serem ingênuos, e não meticulosamente elaborados;
Além disso, devido à complexidade presente, a forma de medir resultado deveria ser mais aberta, apontando para possíveis sinais de sucesso ou de falha, e não especificamente para um resultado desejado.
Portanto, utilizando um racional com base no Cynefin, o ciclo /Probe-Sense-Respond/ é o que se mostra mais adequado ao trabalho com experimentos em contextos complexos, suplantando a estrutura /Build-Measure-Learn/ do Lean Startup.
De fato, a ideia é que nessas situações, startups sejam capazes de trabalhar com o que chamamos de Portfólio de Experimentos.
3. Chamar a atenção de investidores (e compradores)
Um último ponto que gostaria de provocar quanto ao uso prático do Cynefin nas startups está relacionado a atração de investimentos. Cada vez mais, os bons investidores e compradores colocarão seu dinheiro em startups que tenham sensibilidade e habilidade para perceber os famosos ‘weak signals‘— aqueles sinais fracos e/ou distantes que prenunciam uma mudança (social, tecnológica…) que está em sutil movimento mas que poucos conseguem perceber.
Com essa habilidade, startups atingem um potencial para:
- Criar uma nova demanda ou área de mercado — o que atrai bons investidores;
- Causar uma disrupção no mercado — o que atrai muitos investidores;
- Ameaçar os atuais predadores de um mercado — o que faz com que eles queiram comprar sua startup;
Nessa linha, o desenvolvimento de uma cultura para percepção desses sinais se torna tão ou mais importante do que a pura cultura de desenvolvimento de produto.
No exemplo da minha startup de produtos orgânicos, eu poderia nutrir uma cultura de contínuo trabalho com sondagens — mas não apenas no desenvolvimento de produtos, e sim em todo o ecossistema no qual o meu negócio está presente.
Para esses experimentos, perceba que as características que mencionei anteriormente — como coerência, obliquidade, paralelismo e mesmo ingenuidade — serão decisivas para conseguir observar esses sinais fracos e/ou distantes.
Conclusão
Por mais que eu tenha utilizado o universo das startups como base deste artigo, percebemos claramente que muitos dos pontos mencionados aqui são também de valor para qualquer tipo de organização.
Tempos de incerteza levam-nos à ansiedade na tomada de decisões, e nos tornam potenciais vítimas das milhares de “fórmulas mágicas” que existem por aí.
O Cynefin não lhe propõe soluções para os problemas de suas startup, pois entende que, se estamos falando do seu negócio, encontrar essas soluções deveria ser sua responsabilidade.
De fato, entendemos que pessoas talentosas não precisam de “fórmulas mágicas” para liderarem seus negócios, mas podem sim serem beneficiadas se alcançarem melhores condições de navegação nas situações problemáticas que vivem. E é exatamente esse o valor prático que o Cynefin traz para você e seus negócios.