Ao invés, falemos sobre tópicos reais e práticos. Falemos sobre como está difícil a vida durante a pandemia. Falemos sobre saúde mental no trabalho. Falemos sobre relações se dilacerando… no trabalho, nas famílias, em casa. Falemos da falta de diversidade nas empresas. No desemprego. Nas vagas de trabalho não preenchidas. Ah, falemos também sobre novas formas de trabalho para este mundo tão sofrido. Remoto. Híbrido. Horizontal. Sim, falemos sobre isso… mas, por favor, não fale mais sobre complexidade.
Estou sofrendo. Mas, por que? Porque preciso de informações bem definidas e estáveis — sim, estáveis. Mas não tenho. Estão mudando tudo aqui. De novo. Sofro porque preciso saber o que esperar das pessoas ao meu lado, dos meus pares de trabalho, de vida. Mas não consigo. As pessoas são cada vez mais imprevisíveis — quando acho que as conheço, boom! Sofro porque, na verdade, não quero que aquele prazo definido para lançamento do produto mude. E ele muda, pois mudaram de ideia. De novo. Culpa do chefe. Da empresa. Do governo. Sofro porque quero que meu líder mantenha aquilo que me direcionou no mês passado. E ele não mantém. Ele é louco, só pode ser. Espera aí. Mas sofro também porque quero que meus interesses, ao menos, se mantenham estáveis e me ajudem a saber exatamente o que quero, do trabalho, da vida. Mas não consigo. Quero ser promovido… não, na verdade quero mudar de emprego. De país. De carreira. De relacionamento. Mais uma vez. Aliás, dá pra mudar de família? Será que estou enlouquecendo? Mas, por favor, eu imploro, não me venha falar sobre complexidade, isso não!
Pessoas estão sofrendo em todos os cantos porque, bem, porque esse mundo aí, o mundo do trabalho, o nosso mundo particular, está, aos nossos olhos, cada dia mais horrível, certo? É o que dizem. É o que eu digo. Simples assim. E, por favor, não fale mais sobre complexidade.
Prefiro o sofrimento.
Fiódor Dostoiévski, um dos meus autores preferidos, é conhecido pela sua capacidade de empregar uma grande carga de sofrimento nas suas obras — mesmo quando, segundo alguns de seus críticos, isso não seria necessário e se torna imotivado. Em muitos dos seus textos, as personagens demonstram uma apaixonante obsessão pelo processo, que é onde se emprega a maior carga de sofrimento, e um quase esnobe desapego com o desfecho, que é onde se poderia racionalizar ou significar as situações.
Cada vez mais sinto algo dostoievskiano no ar. Grande parte dos temas que causam maior sofrimento e consequente desafio nos negócios são de uma natureza relativamente ou extremamente complexa, e exigem uma intervenção apropriadamente complexa, e não simplesmente mais planos, metas e estruturas de trabalho.
Mas muitas pessoas não querem trata-los dessa forma— afinal, para elas, complexidade é muito teórico, esquisito, metafórico. E, por favor, não fale mais sobre complexidade.
Infelizmente, poucos querem estudar complexidade, principalmente complexidade aplicada. Eles a esnobam — pra que estudar isso? Que viagem! E, assim como as personagens de Dostoiévski, permanecem apegados ao sofrimento do processo, fazendo rebranding das suas dores e dos problemas ao seu lado, ano após ano, numa quase demonstração de amor pelo sofrimento.
“Sem dúvida, gostava de mim, enquanto me odiava. Esse amor é de todos o mais forte”. O Eterno Marido. Dostoiévski, Fiódor.
Eu vejo a capacidade de identificar, responder e aplicar complexidade como uma das habilidades decisivas para os profissionais do presente e do futuro. Isso se tornará ainda mais evidente ao passo que a sociedade vá aceitando a complexa natureza de seus principais desafios organizacionais e sociais.
Aqui na Emergee, nós não pararemos de estudar, aplicar, e compartilhar conhecimento sobre complexidade. Cynefin, Sensemaking, BUILD, são algumas das estratégias que utilizamos para explorar situações complexas nas organizações. E vem muito mais por aí.