Em 2011, participei pela primeira vez da Complex Systems Conference, um dos eventos que me obriguei a frequentar para aprender de forma mais aprofundada e diversificada sobre complexidade, e que também me obrigava a sair do conforto dos eventos de tecnologia e agilidade.
Em uma das sessões desta edição do evento, me vi misturado a um grupo que apresentava e discutia trabalhos relacionados à aplicação dos conhecimentos de complexidade no desenvolvimento de cidades inteligentes, um tema que eu tinha até então pouco conhecimento mas muita curiosidade.
Ao final das conversas, consegui perceber uma forte relação conceitual e prática entre as propostas para “cidades inteligentes” e “empresas ágeis”, bem como na forma com que o conhecimento de complexidade pode ser aplicado em ambos os casos.
Dentre tais semelhanças, posso destacar:
Clareza de propósito
Partindo de um cenário que reconhece haver um padrão negativo nas estruturas exauridas das cidades, que acabam por nos levar a práticas insustentáveis, há um consenso de que cidades inteligentes serãodeterminantes para aumentarmos a qualidade de vida dos cidadãos, enquanto tornamos o nosso planeta mais sustentável. Na mesma linha, todos concordam que empresas precisam ser mais ágeis para responder rapidamente aos contextos em constante movimentação.
Dependência de contexto
Nova Iorque é considerada uma das cidades mais inteligentes do mundo, em grande parte pela forma como investiu em reutilização de recursos (energia, água, dentre outros). Não é simples compara-la a Bristol, considerada por alguns a cidade mais inteligente do Reino Unido, que com uma percepção contextualizada decidiu investir seus esforços de inteligência na redução da desigualdade econômica, moradia e trânsito — definitivamente pontos menos glamourosos, e não considerados prioritários em Nova Iorque. Na mesma linha, poderíamos selecionar duas empresas consideradas como exemplos de agilidade, e perceber o quão diferentes são suas prioridades e estratégias para alcançar a agilidade esperada.
Dificuldade para responder perguntas essenciais
Quando uma cidade/empresa pode ser considerada inteligente/ágil? Quanto tempo leva para uma cidade/empresa se tornar inteligente/ágil? Qual será o investimento necessário? Quando terei retorno? Por onde começar? Estas são algumas das perguntas de difíceis respostas enfrentadas por ambos profissionais, os que buscam tornar cidades mais inteligentes e os que trabalham para construir empresas mais ágeis.
Neste artigo pretendo explorar um pouco mais cada um destes pontos.
1. Por onde começar?
Um ponto de partida deveria ser entender de verdade que agilidade nos negócios não é algo binário, ou seja, não é uma questão de sua empresa ser ou não ser ágil, mas sim do quão ágil ela é e se isso é o suficiente para alcançar os objetivos que ela pretende alcançar. Na verdade, não existe empresa que não seja ágil, bem como não existe cidade sem alguma inteligência.
Partindo dessa premissa, você entenderia que a ideia de “virar a chave” para a agilidade é simplesmente ilusória, não sendo necessário criar nenhum programa espetaculoso para transformação organizacional.
Ao invés, que tal descobrir, de forma contextualizada, quais são os principais detratores para agilidade na sua empresa neste exato momento?
Bristol, Nova Iorque, Viena, Barcelona, Melbourne, dentre muitas outras, são cidades que aplicam na prática o conceito de citizen sensing para descobrir e significar de forma contextualizada onde concentrar seus próximos esforços para se tornar uma cidade mais inteligente.
Na estratégia BUILD (BUsiness agILity Design) partimos também dessas premissas, utilizando técnicas e processos de sensemaking e foresight para descobrir os padrões detratores para a agilidade na empresa, e então agirmos de forma contextualizada e consciente. Afinal, a sua empresa e o Google são, certamente, tão diferentes quanto Nova Iorque e Bristol.
Portanto, minha resposta para essa pergunta é: comece pelo contexto.
2. Quem envolver?
Com frequência, me perguntam se, em iniciativas para agilidade nos negócios, eu prefiro trabalhar com estratégias top-down (da alta gestão para os colaboradores) ou botton-up (dos colaboradores para alta gestão). Minha resposta é que, na verdade, deveríamos olhar para esta questão de uma forma mais circular e, de novo, contextualizada.
Considerando que, por exemplo, eu já conheça os três principais padrões detratores para agilidade na minha empresa, qual seria a melhor estratégia de trabalho em cada um deles? Talvez o primeiro padrão precise de um envolvimento massivo da alta gestão e de várias áreas da empresa, enquanto que o segundo possa ser trabalhado em um pequeno grupo de colaboradores.
Lógico, assim como cidade alguma conseguiria se tornar mais inteligente se não houvesse o envolvimento de governo, parcerias e cidadãos; se torna também difícil pensarmos em tornar uma empresa mais ágil sem o envolvimento tanto da alta gestão como dos outros colaboradores e envolvidos.
Minha resposta aqui, portanto, seria: alinhe expectativas com todos, avalie cada padrão ou heurística individualmente e atue de forma apropriada em cada um deles.
3. Quais benefícios esperar?
Sendo esta uma pergunta subjetiva, eu poderia de forma mais abstrata apontar que o principal benefício é que, com mais agilidade você aumenta as condições de ter negócios bem sucedidos quando operando em contextos de instabilidade. Dependendo dos seu objetivos de negócio, isso pode ser traduzido em maior retorno econômico, maior penetração de mercado, ou ainda viabilizar o caminho para ser uma empresa mais diversa e justa.
Sendo agora um pouco mais específico, de acordo com minha experiência, líderes tem apontado que ao aumentar a agilidade nos negócios, eles:
- Desburocratizam a organização de forma coerente e disciplinada, tornando-a mais leve para movimentos rápidos e inesperados, mas segura para falhar;
- Nutrem uma cultura de experimentação, o que acelera inovação;
- Eliminam o conformismo baseado no “aqui as coisas sempre foram assim”, o que acelera a resolução de problemas;
- Desenvolvem uma consciência focada no seu próprio negócio e objetivos, o que estimula todos a investirem energia naquilo que realmente importa, reduzindo distrações;
4. Qual investimento?
Talvez uma pergunta mais importante seja, o quão estratégico é esse assunto para sua empresa? O quão ela enxerga que os benefícios falados anteriormente são decisivos para seus próximos passos?
Com tais repostas, vocês podem decidir se é melhor investir pouca energia neste tema a partir de pequenas iniciativas inseridas no cotidiano de suas equipes, ou faze-lo de uma forma mais agressiva dedicando pessoas e um bom investimento em iniciativas mais ambiciosas.
Nessa linha, vemos que hoje o tema “cidade inteligente” não recebe mais ou menos investimento de acordo com o tamanho e faturamento de uma cidade, mas sim do quão ele é considerado prioritário pela administração desta. Vemos cidades pequenas, como Bristol, decidirem investir um relevante percentual de seu faturamento neste tema, enquanto vemos também cidades com faturamento gigante e que investem quase nada nesta pauta.
5. Quando terei retorno?
Uma das características marcantes das iniciativas para agilidade é que rapidamente alguns agentes do nosso contexto já conseguem sentir, nem que seja parcialmente, os benefícios por elas gerados.
Muitas vezes o simples combate a um padrão problemático que dorme na sua empresa por anos a fio já representa um enorme benefício para o negócio. E isso, com frequência, é alcançado com um investimento de algumas semanas ou poucos meses.(1)
No entanto, obviamente, nem todos desses padrões são resolvidos de forma rápida ou direta. Alguns são extremamente complexos, já estando emaranhados a uma série de temas organizacionais e exigindo estratégica experimentação para resolução — sendo, portanto, bastante dependentes do quão os líderes da empresa estão buscando por perenidade nos resultado e na garantia de sucesso também no longo prazo.
Quem hoje visita Londres e tira selfies com o Rio Tâmisa ao fundo, talvez não saiba que a pouco mais de seis décadas o rio era conhecido como “O grande mau cheiro”, e que levou quase todo esse tempo em seu duríssimo processo de despoluição.
(1) Observações a partir do uso da estratégia BUILD.
Conclusão
Na estratégia BUILD (BUsiness agILity Design) não utilizamos nem máquinas nem jardins como metáfora para as organizações, mas sim cidades. Cidades são organismos complexos, esquisitos, e de difícil gestão.
Há cidades, e empresas, lindas e extremamente funcionais, ou seja com estruturas e estética admiráveis, mas com problemas enormes de relações internas e externas, e degradantes valores. Enquanto outras paupérrimas e feias, nutrem um espírito de colaboração invejável. Como balancear esses temas? Não há formulas ou frameworks, mas sim contextualização, experimentação e resposta.
Tornar a sua empresa mais ágil depende essencialmente de entender o que isso significa para seu contexto, o quão isso é estratégico para o seu negócio, e da criação de mecanismos adequados a essas respostas.